O Medo do Silêncio

por Rafael Barizan

Estamos cercados pelo barulho, pelo ruído, por conversas, trilhas sonoras que criamos para nossas próprias vidas em nossos celulares e iPods. Em casa, convive-se com o ruído da televisão, dos eletrodomésticos, e, quando em apartamentos, com os ruídos dos vizinhos – inclusive com os mais íntimos, muitas vezes. O antes comum silêncio tornou-se raro e, para muitos, amedrontador.

O silêncio causa medo a muitas pessoas. Prefere-se ligar a televisão, colocar uma música para tocar ou estar com seus fones de ouvido a conviver com este ser de características aterradoras.

Por que o silêncio é tão amedrontador? Seria pelo seu desconhecimento devido à vida moderna e agitada? Não, não me contento com essa explicação. Por mais que o barulho tenha se tornado parte intrínseca de nossa rotina, é possível dele se livrar, mesmo que para isso tenhamos de usar métodos um tanto quanto interventivos. A tecnologia nos ajuda, ou melhor, invenções muito simples nos ajudam. Em alguns lugares, um simples protetor auricular de menos de dois reais basta para se obter o conforto auditivo da ausência de ondas sonoras penetrando em seus ouvidos. Em outros, temos de adotar soluções mais radicais como nos afastar do local, buscando refúgio em algum templo em que ainda se cultue essa raridade.

(Foto: Creative Commons)

(Foto: Creative Commons)

Para mim, o silêncio causa medo porque propicia a reflexão. A cada dia vulgariza-se mais a capacidade crítica do ser humano. As informações são mastigadas, digeridas e entregues da forma mais simples possível para as pessoas. Não mais se preza a capacidade de raciocínio lógico, a capacidade de dedução, o uso de ferramentas cognitivas para compreender a realidade que nos cerca. Espera-se que alguém ou, na melhor das hipóteses, algo (um jornal ou revista) diga como se deve pensar. Valorizam-se cada vez mais as emoções em detrimento da razão. Os meios de comunicação e a indústria cultural dizem a nossos jovens que eles devem agir por aquilo que sentem, que seus sentimentos são um guia incontestável para sua vida. Muitos acreditam nisso e passam a desprezar a reflexão e a razão.

Com o desprezo à reflexão e à razão vem o medo do silêncio, pois é ele o momento mais propício para se exercer essa atividade. Não é por acaso que os monges na Idade Média isolavam-se em mosteiros para seus estudos; não é por acaso que se criou a expressão torre de marfim para se referir aos intelectuais; não é por acaso que o silêncio é tão prezado nas universidades, bibliotecas e centros de pesquisa.

Em uma sociedade midiática, na qual o som e a imagem são as principais formas de transmitir informação, o silêncio incomoda. Ele não permite a transmissão imediata da informação. No silêncio pode-se absorver conhecimento pela leitura de um livro, pode-se refletir sobre essa leitura. Ou pode-se simplesmente trabalhar sobre uma ideia, enfrentando-a sob diferentes perspectivas, contrastando seus desenvolvimentos, refletindo sobre suas variáveis, buscando soluções para os problemas que são criados pela sua aplicação. Esse é um processo necessariamente solitário e silencioso, em um primeiro momento. Não se pode fazê-lo de outra forma. Posteriormente, é inegável que essa ideia bem analisada e construída pode e deve ser debatida em um grupo de pessoas que tiveram o mesmo cuidado intelectual de, em silêncio, ponderá-la.

Além disso, o silêncio leva ao questionamento de vários topoi da sociedade contemporânea. Esses questionamentos geram incertezas e inseguranças, as quais se é condicionado a temer, pois o que se espera em nossa sociedade é a normalidade, a previsibilidade, o certo e o seguro. Tudo o que fugir desse padrão é colocado à margem e descartado.

É, pois, um processo demorado a absorção de uma ideia em silêncio. Em uma era de aplicativos intuitivos (sonoros e visuais), informações atualizadas minuto a minuto e grande apreço pelo multitarefas, é compreensível o horror causado pelo silêncio.

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