Resenha – “Incidente em Antares”, Érico Veríssimo

por Rafael Barizan

Saga familiar, realismo fantástico e crítica social combinam-se em “Incidente em Antares” para expressar as agruras e frustações de Érico Veríssimo com a sociedade brasileira impingida pela desigualdade, amordaçada pela Ditadura Militar, alienada pela Copa de 70 e jogada às trevas pela sua elite hipócrita e conservadora.

Em sua narrativa, Érico Veríssimo constrói um panorama da vida em Antares, uma cidade no Rio Grande do Sul, próxima à fronteira com a Argentina, na qual duas famílias (os Vacarianos e os Campolargos) dividem o poder desde sua fundação. Conta-nos na primeira parte do livro a história do local, sua formação e a mescla com a própria história do Brasil. Contudo, é na segunda parte do livro que os traços mais viscerais da história se apresentam.

Diante de uma greve dos coveiros de Antares, seus mortos em uma determinada época ficam insepultos. Os defuntos, impacientes com sua condição retornam ao convívio dos vivos e podem, agora, livres de qualquer amarra social e despreocupados com a manutenção de suas aparências expressar seus pensamentos livremente.

Entre os mortos estão representantes de todas as classes sociais da cidade, desde a prostituta até a matriarca de uma das tradicionais famílias locais. Em sua nova situação são obrigados a conviver e trocar experiências e desses diálogos extrai-se o melhor do livro: a crítica social, sempre bem humorada, de Érico Veríssimo que desponta a cada nova intervenção de suas personagens putrefatas.

A abordagem do incidente por Veríssimo no livro nos lembra em muito Camus, pois apesar de insólita a situação com a qual se deparam os moradores da pequena Antares, todos continuam a conviver com os seus mortos-vivos como se nada tivesse acontecido, mesmo quando seu estado de podridão avança e infesta a praça central com seu odor de morte característico.

Não se pode, por fim, negar a coragem do autor em abordar temas que desafiavam tão frontalmente a ordem política dos anos 70, em especial a questão operária e a pungente crítica social dos valores de uma sociedade retrógada.

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