Capitalismo de Laços – O Caso Brasileiro

Texto e fotos: Rafael Barizan
Ilustração: Daniel Barizan
Revisão: Gabriel de Castro

O que é capitalismo de estado?

Em 1989, o mundo assistia atônito a queda do muro de Berlim. O fato marcaria o início de uma década na qual se acreditou que o capitalismo de matiz neoliberal havia definitivamente vencido como único modelo de desenvolvimento econômico. Na década de 1990 o desmantelamento das economias de planejamento centralizado resultantes do colapso da União Soviética e a falência dos demais estado que dela dependiam como Cuba somente vieram a confirmar essa impressão. Nesse contexto, o denominado Capitalismo de Estado, isto é, a intervenção do estado na economia direta ou indiretamente para fomentar o desenvolvimento de um país perdeu força e muitos afirmara que o papel do Estado como agente econômico estava sepultado.

Entretanto, esse modelo se desenvolveu com especial força nos países do BRIC. Na Rússia, após o governo de Yeltsin e a corrida selvagem para desestatizar a economia houve um fenômeno de reconcentração das grandes companhias em poder do estado. Dessa vez por meio de participações acionárias e não por meio de controle direto.  Alguns setores foram inclusive renacionalizados, como a companhia Yukos, de Mikhail Khodorkovsky, que já fora o homem mais rico da Rússia. A Gazprom, um gigante estatal,comprou a Sibneft, de Roman Abramovitch.

Porcentagem de Empresas Estatais e/ou de Controle Estatal no Índice de Mercados Emergentes do MSCI por Setor Industrial

grafico1

Setores considerados estratégicos para a soberania de um país e sua defesa, como os de energia e telecomunicações, são os que mais se encontram sob poder estatal. (Fonte: Deutsche Bank)

Os antes poderosos oligarcas russos foram substituídos por ex-oficiais da KGB que possuíam profundas ligações com Vladimir Putin. Os resultados dessas ações aparecem na bolsa de valores russa: hoje, metade de seu fluxo deriva das ações das estatais Gazprom e Sberbank.

Na China, o fenômeno do Capitalismo de Estado é extremamente forte. Sendo um país comunista e com economia planejada, o Partido Comunista exerce grande influência não somente em suas numerosas estatais como em todas as firmas privadas em território chinês. O partido exerce esse poder por meio de dois órgãos principais: a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais (CSAAE) e o Departamento de Organização do Partido Comunista.

Porcentagem de Capitalização das Empresas Estatais e/ou de Controle Estatal no Índice MSCI de Mercado de Ações Nacional

A presença de estatais no Brasil como se nota é uma das menores entre os BRICS, o que leva alguns economistas keynesianos a questionarem se não seria o caso de termos uma maior atuação do Estado na economia (Fonte: Deutsche Bank)

A presença de estatais no Brasil como se nota é uma das menores entre os BRICS, o que leva alguns economistas keynesianos a questionarem se não seria o caso de termos uma maior atuação do Estado na economia (Fonte: Deutsche Bank)

A CSAAE é o principal condutor dessas políticas. Por meio dela o partido busca criar campeões nacionais consolidando vastos setores da economia nas mãos de poucas e grandes empresas. Essas empresas também são incentivadas a crescerem verticalmente, isto é, controlar diversas etapas da produção de seus produtos, desde a extração da matéria prima até a venda ao consumidor final. Em geral, em uma economia de livre mercado a escolha das empresas é reduzir o risco de seus investimentos por meio da diversificação horizontal de seus ativos em diversos setores.

O Departamento de Organização do Partido Comunista se tornou o maior departamento de recursos humanos do mundo. Ele é responsável por indicar os mais importantes executivos das companhias chinesas. Em 2004, trocou os controladores das três maiores companhias de telecomunicação do país; já em 2009, foi a vez dos presidentes das três maiores companhias aéreas; finalmente, em 2010, as três maiores companhias petrolíferas chinesas – cada uma delas presentes na lista da Fortune 500 – também foram substituídos.

Em vários países do Oriente Médio, a combinação de regimes monárquicos e petróleo em abundância criou as condições perfeitas para o surgimento de um modelo peculiar de capitalismo, o Petrocapitalismo de Estado. As monarquias locais sempre usaram o petróleo para se financiar. Contudo, essas monarquias prevendo o esgotamento de suas reservas têm tomado medidas sofisticadas para diversificar suas economias. Sua aposta se dá em especial na profissionalização de suas empresas e no incentivo à economia por meio de grandes estatais que congregam a maior parte dos investimentos de infraestrutura. Em Dubai, os governantes da dinastia dos al-Maktoums, criaram a Dubai World, uma holding que congrega todos os grandes investimentos do emirado, desde a cidade marítima de Dubai até a implementação de zonas econômicas de alta tecnologia, como a Techno Park.

Esse modelo não é, contudo, perfeito. Suas principais deficiências são o nepotismo e a formação de bolhas. A Dubai World, por exemplo, acumulou mais de US$80 bilhões de dólares em dívidas ao construir as ilhas em formato de palmeira do emirado e o Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo.

No Brasil, esse fenômeno é usualmente denominado de Capitalismo de Laços. Trata-se de um emaranhado de contatos, alianças políticas e estratégias econômicas, isto é, as relações entre os atores sociais visando fins econômicos. Além disso, na estrutura societária brasileira verifica-se outro fenômeno peculiar, denominado por seus estudiosos de o Leviatã como Acionista Minoritário, a presença do Estado com posições minoritárias em diversas empresas por meio de fundos de pensão e bancos públicos. Essas posições, apesar de minoritárias, quando unidas tem, em geral, força suficiente para decidir os rumos de grandes companhias. Além disso, nesse processo, o Estado brasileiro garantiu por diversas vezes a propriedade de golden shares, que lhe atribuem direitos específicos e exclusivos, como, por exemplo, decidir sobre a exploração de minérios em determinadas regiões ou indicar funcionários do alto escalão das empresas.

O controle do estado e as privatizações

Com o processo de privatizações empreendido nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso a intervenção estatal na economia parecia ter sido enterrada para sempre. Na época analistas liberais empolgados não perceberam um estranho fenômeno que acompanhou todo o processo: a massiva presença de capital público para que as empresas estatais fossem vendidas. Fundos de Pensão e o BNDES foram amplamente mobilizados para injetar capital nas transações e garantir o interesse nos leilões. Hoje, esses fundos detêm participações acionárias em inúmeras companhias, com especial destaque para a Vale.

O caso Vale é exemplar desse processo. Em 1997, protestos eclodiam em todo o país contra a privatização da empresa. Outras estatais já haviam passado pelo processo, mas sem tanta repercussão. Contudo, a Vale era considerada estratégica para os interesses nacionais e, na época, era a oitava maior empresa do país. Sua venda foi efetivada para um consórcio heterogêneo, liderado por Benjamin Steinbruch, que já era acionista de outras empresas privatizadas (CSN e Light). A ele se uniram bancos domésticos, como o Opportunity e o Bradesco, o banco estadunidense Nations Bank e um grupo de fundos de pensão estatais composto por Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal).

Quem controla a Vale?

(Fonte: Valor Grandes Grupos)

(Fonte: Valor Grandes Grupos)

Passada mais de uma década, a Vale se tornou a segunda maior produtora mundial de minérios vendendo especialmente para siderúrgicas asiáticas e apostando no vertiginoso crescimento chinês. Apesar disso, em Brasília sua estratégia de crescimento não era bem vista. Os gestores da política econômica de Lula estavam insatisfeitos com a venda de minérios brutos do país. Esperavam que a Vale fizesse investimentos que dessem ao Brasil maior poder competitivo no mercado internacional e agrega-se valor e tecnologia a seus produtos. Para isso a empresa deveria investir em siderúrgicas no território brasileiro. Outros conflitos surgiram, em especial quando a companhia tentou cortar mais de mil empregos. Esses fatores levaram o governo brasileiro a utilizar de seu poder de controle indireto para forçar a retirada do presidente da Vale, Roger Agnelli.

A demissão de Agnelli demonstrou claramente o poder de intervenção do Estado Brasileiro na Economia e reforçou a noção de que nosso capitalismo se organiza em uma rede de relações entre atores econômicos (laços). Foi por meio dos laços dos fundos de pensão e do BNDES com outros atores bem conectados que foi possível a interferência – benéfica ou não, dependendo do ponto de vista – na empresa.

Sinais de Mudança

A obtenção de recursos via abertura de capital prosperou no Brasil a partir de 2004. As duas primeiras empresas a abrir seu capital com sucesso estrondoso foram Natura e Gol arrecadando conjuntamente mais de 1,5 bilhão de reais. Uma onda de capitalização via bolsa de valores teve início. Entre 2004 e 2009 nada menos que 115 empresas abriram capital. Entre elas estavam as empresas de Eike Batista. O empresário foi o mais bem sucedido nessa empreitada: levantou mais de 9,5 bilhões de reais com as empresas MMX (mineração), MPX (energia) e OGX (petróleo). O feito e a posterior valorização dessas ações o colocaram entre os homens mais ricos do mundo segundo a revista Forbes.

Parecia que o capitalismo brasileiro finalmente iria se financiar por meio do mercado sem depender do Estado. Os três pilares desse processo estavam presentes: novos empreendedores, maior pulverização de ações e práticas de governança diferenciadas (o segmento do Novo Mercado na BM&FBovespa).

Mas, o sonho pouco durou. Em 2008, a eclosão da crise financeira internacional reduziu drasticamente o apetite dos investidores por novas companhias listadas a Bolsa. O empresariado antes empolgado com a ideia de se financiar somente pelo mercado reviu sua posição e voltou a saudar o papel do governo. Eike Batista afirmou a época: “O Brasil tem um modelo que todos querem copiar […] Os Estados Unidos sonham em ter um BNDES como o nosso”.

A orientação do governo também passou a incentivar grandes conglomerados nacionais a se tornaram campeões nacionais por meio da fusão de gigantes de um mesmo setor, a exemplo das fusões Itaú/Unibanco, Sadia/Perdigão e JBS/Bertin. Grande obras de infraestrutura também foram anunciadas e com a conquista do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, o número de projetos de infraestrutura disparou. Em todos esses processos o BNDES desempenhou papel fundamental como financiador dessas fusões e no financiamento dos consórcios que disputaram as licitações dessas novas obras.

Mais…

… Custos de transação: 

Na década de 1930, o jovem economista britânico Robert Coase viajou aos Estados Unidos com o propósito de entender porque existiam grandes corporações. Descobriu que a concentração de atividades adjacentes ao ramo de atividade principal das empresas ocorre quando os custos de transação de executar uma atividade no mercado de forma terceirizada excedem o custo de internalizá-las. Os custos de transação são todos aqueles que advêm do relacionamento de uma firma com a sociedade e seus parceiros. As negociações com fornecedores de peças para um carro que envolvem reuniões, trocas de memorandos e deslocamentos de pessoal são um exemplo de custos de transação. O tempo de resposta do poder judiciário a demandas apresentadas por empresas são outro exemplo desses custos e, em especial no Brasil, representam um dos maiores entraves para a realização de grandes investimentos.

Deixe um comentário